segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Sinfonia dos Aflitos, Capítulo 3: Inferno!

            As palavras de sua filha ressoaram em sua mente, fazendo seu coração ser bombardeado por um temporal de emoções. Ele tinha certeza que ao colocar o corpo de sua mulher no chão, a vida já havia abandonado seus olhos. Voltou sua atenção para a direção apontada por Rachel. Esta visão fez o encanador sentir calafrios dos pés a cabeça. Sentia o frio dominar sua barriga, não um frio natural produzido pelo mal tempo, mas sim aquele frio que sentimos apenas quando vemos, ou escutamos algo que nos faz entrar em puro estado de choque. Era exatamente assim que ele se sentia, em puro estado de choque.

- N-Não… Não pode ser… – Lagrimas escorriam pelo seu rosto tomado por tristeza. Não sabia se aquela pessoa a sua frente era realmente a mulher que sempre amou. Alguma coisa muito parecida com ela se esforçava para levantar, com seu pescoço pendendo para o lado esquerdo, produzindo um gemido tão melancólico como o choro de uma mãe ao perder o filho. Maggie cambaleava tentando manter-se de pé, seus olhos muito brancos observavam Rachel e Eric a sua frente. O sangue gotejava no solo quando ela irrompeu de encontro a família.

- Papai, a mamãe não parece bem… Ela ta me deixando com medo! – A menina abraçou seu pai com força, olhando para o outro lado, evitando encarar o rosto de sua mãe tomado pela insanidade. Eric não tinha a coragem necessária para atirar no filho e na mulher, pelo menos não no mesmo dia, e na frente de sua querida Rachel.

- Filha… Vamos dar um passeio. – Começou a caminhar para trás conforme sua amada aproximava-se. Apertou o passo ao se aproximar da porta. Virou a chave, a porta produziu um barulho, mostrando que estava destrancada. Saiu para o lado de fora da casa, não demorando mais um segundo lá dentro. O dia já começava a entrar no seu entardecer. A neblina agora ganhava uma tonalidade alaranjada. Trancou a porta rapidamente, colocando seu revolver preso a cintura e a calça, encobrindo-a com sua camisa azul manchada pelo sangue de sua mulher.

            Eric observando uma rua completamente vazia. Vazia apenas de pessoas, a extensão da rua encontravam-se diversos carros com as portas abertas, muitos ainda ligados, outros batidos. Tentava imaginar o que havia acontecido, tivera alguma coisa haver com o que acontecera a sua família? Teria aquilo acontecido em outros lugares? Arrependera-se de não ter visto uma ultima vez a televisão de sua casa, para pelo menos ter uma noção do que estava acontecendo a sua cidade.

            Tomou um pequeno susto ao escutar uma batida na porta que acabara de trancar, imaginou sua mulher batendo na mesma, procurando abri-la para sair. Quando ouviu isso acabou por notar uma breve movimentação na casa a frente, seu vizinho Kurt saia às pressas de dentro da casa segurando uma bolsa mediana preta. Ao notar que Eric estava do outro lado da rua com sua filha no colo, correu de encontro a ele ofegante.

- Eric… O que esta fazendo ai parado? – Perguntou como se o encanador estivesse fazendo algo muito errado. – Você não viu nada? Esta tudo um caos… – Parou olhando para o rosto completamente perdido do homem e sua filha.

- M-Me desculpe, mas não estou entendendo… – Tentou fingir que não tinha visto, nem ouvido nada. – Meu filho esta doente, precisa de remédios. – Coçou a garganta, assim como muitas pessoas fazem ao mentir.

- Droga cara, se for pela gripe é melhor deixá-lo ai… As pessoas estão morrendo, e de alguma forma voltando à vida! – Disse indignado. – Mas isso não basta, elas estão comendo as pessoas como canibais… Eu me escondi dentro de casa até tudo se acalmar. Tudo começou hoje de manhã… Não acredito que você não ouviu nada. – Falou com um tom ainda maior de indignação. – Espera… Eu ouvi o barulho de tiro vindo da sua casa… E sua camisa esta manchada de sangue. – Apontou para a camisa azul manchada. Eric observou o vizinho, tentando manter a calma. Ao menos agora tinha certeza que aquilo não havia acontecido apenas a sua família.

- Esta bem… Meu filho estava doente… De alguma forma ele virou um tipo de… Zumbi… Não sei direito. Então ele mordeu o pescoço da Maggie, ela morreu nos meus braços… Ainda vejo a imagem dela na minha frente. – O barulho da porta foi ouvido novamente. – Ela então acordou. Agora ela esta batendo na porta querendo sair… Não pude atirar nela! EU NÃO PUDE CARA! – Alterou sua voz com a raiva que sentia dentro do peito. Kurt levou o dedo até a boca mandando Eric ficar em silencio.

- Não grita… Pode ter mais deles dentro de algumas casas. Você foi mordido? – Perguntou, recebendo sua resposta com o balanço negativo da cabeça do homem. – É melhor a gente ir para outro lugar. Estou indo para a delegacia ver se tem alguém por lá. Venha comigo… Er… Você esta armado? – Eric desta vez balançou a cabeça em sinal de afirmação.

- Muito bem, vamos indo em silencio, me siga. – O encanador acompanhou no mesmo ritmo o seu vizinho, buscando manter o silencio. Ao longe, Rachel viu a janela de sua casa ser quebrada, e a imagem de sua mãe tombar para o exterior da residência, novamente ela se levantou, atordoada, procurando por alguma coisa, talvez o que morder. Aos poucos, eles se distanciaram.

            A caminhada prosseguiu de forma um tanto rápida, cortando caminho pelas beiradas das casas, buscando evitar os lugares mais abertos onde seriam vistos facilmente. Conforme se aproximaram do “centro” da cidade, onde se encontrava o departamento de policia, começaram a notar a movimentação de algumas pessoas, elas caminhavam bem lentamente com seus corpos completamente relaxados. O manto negro da noite já começava a cobrir a cidade, criando uma escuridão desesperadora. A fraca luz dos postes de energia não iluminava completamente a cidade, porém, ajudava bastante na visualização. O ambiente completamente tomado pelos “mortos-vivos” ficara ainda mais aterrorizante com o cair da noite, tornando a cidade um verdadeiro inferno obscuro.

            O chão da cidade começou a ser florido com os corpos que jaziam meio as ruas, corpos realmente mortos, diferentes daqueles que estavam caminhando sem rumo no escuro. Muitos desses corpos encontravam-se mordidos, outros com membros faltando, pintando a rua de vermelho e fazendo os seus passos serem marcados pelas pegadas escarlates. Eric apertou a cabeça de sua filha contra o peito, dizendo no seu ouvido bem baixo para ela fechar os olhos e abrir somente quando ele mandasse. A esperança começava a desaparecer da mente de Eric, não tinha mais certeza de que continuariam vivos após algumas passadas a mais. Sabia que devia sobreviver, não deveria deixar Rachel sozinha em um mundo repleto de estranhos querendo abocanhar suas entranhas até tirar sua vida por completa. Uma menina daquela idade não merecia viver meio aquilo. Sentia-se mais triste agora, não sabendo se conseguiriam escapar, não sabendo se conseguiria manter sua filha a salvo, porém, ele sabia que não iria deixá-la morrer, faria qualquer coisa para manter ela viva, daria sua própria vida se isso garantisse a sobrevivência de Rachel. Teria que sobreviver, iria sobreviver…

            Suas pernas já começavam a se cansar, Kurt ofegava. Suas respirações produziam fumaça, e foi nesse momento que notou e deu por falta de um casaco, tanto para si, quanto para sua filha. A menina tremia meio aos seus braços. Apertava a menina contra o corpo tentando aquecê-la.

- Espere… – A voz de Kurt cortou o silencio, sua mão estava informando que deviam parar. – Escuta! – Falou baixo para ouvirem ao longe um barulho muito familiar. Começaram a caminhar devagar de encontro ao som que a cada passo começava a ficar mais alto. Finalmente o barulho foi confirmado. Eram sons de disparos feitos por armas de fogo. Não era apenas produzido por uma arma, mais sim no mínimo dez delas. Quando deram por si, estavam muito próximos do lugar dos disparos, ao longe conseguiam ver luzes muito fortes, e os disparos contínuos não cessavam. Alguns minutos depois se encontravam frente a um pequeno batalhão do exercito tentando conter o avanço de uma horda daquelas criaturas que antes possuíam sentimentos humanos. Assim que um dos soldados avistou Eric, Kurt e Rachel o mesmo correu de encontro a eles.

- Cuidado, estão vindo cada vez mais dessas coisas… – Proferiu um homem de voz grossa portando um fuzil negro em mãos. – Foram mordidos? – Negaram. – Então venham comigo. Não tem mais ninguém? – Balançaram a cabeça em negação, um pouco atordoados pelos sons dos disparos. O soldado começou a correr na direção de dois grandes holofotes que mantinham os soldados com visibilidade para atirar. Ao passarem por eles, suas visões falharam por alguns instantes, se encontraram de frente com uma pequena escadaria, com suas visões agora mais claras começaram a subir, adentrando em um estabelecimento com boa iluminação onde viram no mínimo setenta pessoas sentadas, caminhando, observando a cena lá fora. Era de fato uma base improvisada para os sobreviventes.

- Vocês estarão seguros aqui dentro. Estamos esperando reforços, então não saiam até que esteja tudo limpo! – Ordenou o homem ao voltar correndo para o campo de batalha. Eric colocou Rachel no chão aliviado do peso que carregara por um longo tempo. Segurava sua pequena mão enquanto caminhava de encontro a Kurt que descansava sentado no chão.

- Obrigado por deixar a gente acompanhar você cara… Ainda bem que nos encontramos… Não saberia o que fazer no meio daquela rua. – O homem sorriu recuperando o fôlego.

- Esta tudo bem, agora nos estamos seguros. – Afirmou abrindo sua bolsa, pegou de seu interior uma pequena garrafa d’água que levou até sua boca com grande prazer, deliciando-se com cada golada. Observou as pessoas ali presente, notando que algumas delas os observavam. Provavelmente estavam tentando identificá-los na esperança de ser algum familiar, ou conhecido.

            Rachel sentou no colo de seu pai quando este se encostou a uma cadeira com uma fofa almoçada presa a ela. Relaxou na cadeira tentando afastar a face de Maggie e Tommas de seus pensamentos. Não conseguia, os tiros o traziam de volta aquele inferno. Sabia que não tinha tempo para ficar triste, precisava manter sua filha segura. Não poderia ser fraco naquele momento terrível, deveria ser forte, mais forte do que todos ali juntos. O único problema é que não se sentia assim…

            Todos ali eram estranhos para Eric e Kurt, não conseguiram identificar nenhuma pessoa conhecida. Conversavam distraídos no interior daquela base, sem saber o que acontecia no seu exterior. Os soldados combatiam os “Zumbis” com todas as forças, porém, mais e mais deles continuavam a aparecer, e a munição continuava a diminuir cada vez mais rápida. Não importava o quanto atirassem muitos deles continuavam a se levantar, ou rastejar. O reforço não chegava, e o tempo para eles, ficava cada vez mais curto.

            Os disparos continuavam a ser escutados lá fora quando uma pequena horda adentrou o lugar, muitas das pessoas começaram a gritar, corriam desesperadas, era possível ver algumas saltarem pelas janelas abertas na esperança de conseguir fugir. Eric apertou sua filha com força nos braços e disparou na direção de uma sala com a porta aberta. Kurt o seguiu, correndo como nunca tinha corrido. Era possível escutar pessoas gritando socorro ao serem mordidas pelas criaturas, enquanto outras eram mordidas tentando combatê-las com os punhos ou com o que encontravam pela frente, desde livros a cadeiras.

            Ao entrarem na sala fecharam a porta com força, colocando rapidamente uma mesa frente à porta na esperança de mantê-la fechada. O lugar era pequeno, um simples escritório, com uma janela ao fundo. Eric correu em sua direção colocando sua filha no chão. Não estavam longe do chão, mais ou menos dois metros do gramado abaixo. Estava escuro lá fora, um pequeno beco entre um “prédio” e outro. Ao longe dos dois lados dava-se para ver a luz da rua.

- Acho melhor a gente tentar, se ficarmos aqui eles vão acabar entrando… – Disse Eric confiante agarrando novamente sua filha. – Kurt eu vou descer primeiro, então você passa Rachel para mim. Tudo bem? – Kurt confirmou eufórico. Foi em direção a janela e começou a descer buscando o chão com seus pés. Em seguida Curt passou Rachel para ele, então jogou sua pequena bolsa e logo foi sua vez.

- Acho que para aquele lado esta cheio deles. – Apontou para a direção de onde haviam chegado, onde a luz era mais forte graças aos Holofotes. – A única direção que temos é essa outra… Melhor irmos com cuidado. – Pegou na mão de Rachel caminhando lentamente na direção contraria da que tinham chegado. No fim do beco, a rua estava vazia, agradecerão por não ter encontrado nenhuma criatura.

- Obrigado… - Falou aliviado. - Agora vamos para onde? – Olhou para Kurt que estava pasmo ao observar alguma coisa à esquerda. Quando Eric olhou para aquela direção viu em outra pequena escadaria uma enorme quantidade de pessoas deitadas enquanto outras arrancavam seus membros e órgãos com as mãos, ou a mordidas, deliciando-se com seus órgãos ainda quentes. Lentamente uma das criaturas se levantou dali, segurando um braço rente à boca, ainda mastigando-o. Seus olhos sem vida brilharam ao notar a presença de Eric e os demais. O gemido da criatura ao largar aquele braço foi longo e profundo, o que fez as demais criaturas voltarem suas atenções para Eric, Rachel e Kurt. O aviso estava dado, mais carne os esperava…

Os olhos do encanador abandonaram seu brilho de esperança, ele apertava forte a mão de sua filha, enquanto seus olhos eram tomados pelo terror… Percebera então que realmente estava no inferno…