segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sinfonia dos Aflitos, Capítulo 2: A mãe...

            Na manhã seguinte, a cidade estava tomada por um fraco nevoeiro, que invadira a cidade no meio da noite. O frio que acompanhava aquela neblina era o suficiente para fazer as pessoas da cidade se amontoarem de agasalhos grossos para não deixar o frio rasgar suas carnes como uma faca gélida. A luz do dia iluminava a casa dos Butters. Quase todos se encontravam de pé tomando o café da manhã, o único que ainda estava no quarto era o jovem Tommas. Sua tosse era audível no andar de baixo da casa, e isso preocupava a sua família.

- Querido, a  tosse dele está piorando e com esse inferno lá fora não vamos poder levá-lo até o hospital… É capaz dele piorar de tanto esperar pra ser atendido. – Eric apenas concordou acenando suavemente com a cabeça. Sabia que o garoto iria precisar de cuidados médicos, mas ele certamente iria piorar esperando no frio hospital até ser atendido.

            O barulho da tosse persistia, então o pai do garoto preocupado, caminhou até seu quarto. Ao abrir a porta deparou-se com uma cena desagradável. Acabara por ver seu filho suando frio, enquanto seus olhos se afundavam na face, tomados por um vermelho intenso, como se todo o sangue de seu corpo estivesse no cérebro.

- Filho… Meu Deus, o que está acontecendo? – Correu na direção do garoto colocando em sua testa a mão direita para apenas confirmar o quão quente ele estava. Sua temperatura era suficientemente alta para ser declarada febril. Eric ficou desesperado, não sabendo como reagir perante aquela situação. Correu até a cozinha chamando sua esposa, Maggie, para ir ao quarto. O barulho de passos na casa era muito alto, pois a correria buscando remédios e outras coisas não parava.

 - Meu Deus, o que vamos fazer, ele precisa de um médico urgente! – Falava a mulher com tom impaciente. Eric não podia fazer nada, estava de mãos atadas -  levá-lo ao hospital apenas poderia piorar as coisas. Mas fizera tudo que estava ao seu alcance.
             Quando tudo que era possível fazer foi feito, os pais do garoto desceram as escadas de volta à sala. Ligaram a televisão e começaram a ver as noticias que não paravam de ser anunciadas, o repórter parecia preocupado ao falar. “… Ela continua aumentando, o hospital lotando. Já não temos mais médicos suficientes para tentar atender os doentes, muitos dos médicos também começaram a apresentar sintomas dessa gripe que esta levando a cidade a um caos…” – Desligaram a televisão, pois não suportavam mais ouvir essas noticias que os deixavam mais preocupados.  
            Alguns minutos se passaram desde que a tosse do menino havia cessado, Eric, Maggie e Rachel encontravam-se na sala, quietos tentando pensar em alguma solução. Rachel brincava com suas bonecas quando se assustou ao ouvir o baque seco de madeira no andar de cima. Logo o baque foi aumentando, como se uma pessoa estivesse usando uma bota militar pesada. Em instantes ouviram o barulho alto de alguma coisa rolando pela escada, os dois levantaram rapidamente, observando seu filho rolar escada abaixo produzindo um fraco gemido, assim como uma pessoa amargurada que chora sozinha a beira da noite. Eric mal imaginava que aquela seria a primeira vez que ouviria a sinfonia dos aflitos.   Os pais do garoto correram para ajudar o menino a se levantar. Eric o segurou pelo braço direito, enquanto sua mãe o segurou pelo esquerdo, bem a frente de seu corpo. O garoto se manteve de pé gemendo por alguns instantes, sua cabeça estava baixa. Maggie se espantou ao tocar a pele fria de seu filho, tão fria como se estivesse  morto. Maggie olhava a face de seu marido com espanto quando a cabeça do garoto começou a levantar-se lentamente, o gemido do garoto havia parado. Tudo estava muito quieto. O rosto da mulher mudou de um espanto tristonho, para um terror infernal. O grito da mulher ao encarar o rosto de Tom seria audível pelo quarteirão inteiro caso a casa estivesse aberta. Eric não entendeu o que aconteceu até o momento que olhou para o rosto infeliz de seu filho. Seus olhos tomados por um branco sem vida encontravam-se manchados de sangue, como uma estatua triste que chora lágrimas rubras. Sua pele era incrivelmente branca e sua boca se banhava em saliva.
            A mulher não conseguiu soltar o braço de seu filho quando foi agarrada pelo pulso com força – seu pescoço sendo rasgado por uma mordida feroz. Ela sentiu a agonia de ter sua pele rasgada pelos dentes humanos. O sangue em abundancia jorrava, banhando o lado esquerdo de seu corpo, enquanto seus gritos eram abafados pelo sangue que começava a sair de sua boca. Seus olhos reviravam-se quando o pai do garoto o jogou com força para trás, fazendo o menino cair sobre a escada a qual acabara de cair.

- Meu Deus, o que é isso? MAGGIE! MAGGIE! – Atirou-se contra sua esposa, apertando-a contra seu próprio corpo. Ela esguichava aquele gosto horrível de sangue por sua boca, manchando a camisa azul clara de seu marido. – Amor… Por favor… – Mal conseguia falar. - VOCÊ FICOU MALUCO? – Gritou tomado pela fúria ao virar a cabeça na direção de seu filho. Rachel observara toda a cena sentada no chão da sala, seu rosto estava congelado naquela expressão de espanto antes de iniciar um longo choro.
            Eric ainda segurava sua esposa quando os olhos dela se mergulharam em uma melancolia eterna. Pousou o corpo de sua amada no chão manchado pelo próprio sangue. Lágrimas escorriam pelo rosto do homem ao se levantar. O corpo do garoto começou a se movimentar buscando apoio para poder se levantar. O gemido novamente era ouvido. Eric observara o filho quando se deslocou até a estante da sala onde de cima dela retirou uma pequena caixa prateada, abriu-a (em) meio a soluços de tristeza. No interior da caixa encontrava-se um revolver calibre .38 que cintilava com sua cor prata sobre a luz do lugar. Virou-se em direção ao filho que tentava manter-se de pé com grande esforço, o menino caminhava pesado na direção do pai que o observava choroso. A mancha de sangue em sua boca era destacada pela saliva que a fazia brilhar, olhava para seu pai com olhos mortos repletos de tristeza e fome.
            A mente do encanador estava distante, apesar de seus olhos não desgrudarem da face do filho. Em sua cabeça o baque pesado de passos o martelava com crueldade. Observou o rosto que causara espanto a sua amada  antes de perder a vida, e naquele instante Tommas aproximou-se o bastante para tentar agarrar o corpo do pai.

- Droga… Por que isso esta acontecendo? … Por que comigo? Não sei se suporto… – Empurrou novamente seu filho para trás com força, fazendo-o se distanciar o suficiente para apontar sua arma na face do menino. Tom se manteve imóvel por alguns instantes. Não suportou. Eric recuou a arma pressionando-a contra a própria cabeça.

– Não vou matar meu filho… – Neste instante Rachel soltou um sofrido suspiro de medo. O encanador acordou daquilo depois de sentir o salto da garota em sua direção, agarrando-lhe a perna esquerda com força. Eric sentia as lágrimas de sua filha em pranto. Aquilo o fez lembrar que não poderia tirar sua vida, abandonando a criança junto àquele monstro canibal que seu filho havia se tornado. Voltou a apontar a arma contra a cabeça do filho, que estava agora perto o suficiente, compondo sua última melodia de lamentação.
            Por toda a casa ouviu-se o barulho ensurdecedor da arma cuspindo sua chama da morte. O baque surdo do corpo caindo sobre o chão foi ouvido. Eric estava imóvel meio ao inferno que havia criado em sua casa. Abraçou sua filha com força a levantando no colo. Finalmente sentiu-se seguro quando caminhou até o sofá de sua casa. Rachel observava seu rosto com tristeza.

- Papai… A mamãe ta dormindo? – Aquela pergunta lembrou-o da inocência que uma criança possui, não merecendo presenciar tudo que tinha presenciado.
- Sim filha… A mamãe esta dormindo… – Chorava nos braços de Rachel ao escutar a inocente voz de sua filha se pronunciar novamente.  


- Papai… - Pausou apontando para o outro lado. - … A mamãe acordou…